domingo, 7 de agosto de 2011

O Mistério das Palavras


Era uma vez uma menina apaixonada. Seu amor iria viajar e na tentativa de deixá-lo por perto, ela o desenhou e fez a partir dessa sombra uma imagem de barro. A sombra materializada é uma substituição. O mesmo poder das palavras. Juntas, sombra e palavra, formam a arte de Fred Eerdekens.

Palavras apenas, palavras pequenas, palavras, momento. Palavras ao vento. Um conjunto de letras que vão além da aparente simplicidade, trazendo significados, sentidos e emoções complexas. Enquanto nós somos apenas utilizadores pragmáticos delas, para poetas, escritores e artistas elas são um fascínio, intrigantes e irritantes quando a arte de escrever passa a ser a de cortar palavras.

Na música escrita por Marisa Monte e Moraes Moreira as próprias palavras tentam explicar a ausência que uma palavra pode expressar. E se de tanto escritas, faladas e cantadas elas não aguentam mais, Fred Eerdekens veio para trazer-lhes mais um motivo: o da pura arte.

O belga Eerdekens começou a criar esculturas cuja sombra, a partir da luz projetada no objeto, desvendasse mensagens escondidas. Verdadeira poesia. Os elementos para a composição variam. Vão de plantas e embalagens a arames, velas e pedaços de concreto. A composição é a base para o projeto e as palavras são as protagonistas dessa história.

E é exatamente a partir delas que tudo começou. Já desenhista e interessado pelas palavras, textos e escritas em geral, ficou óbvio que seu próximo passo seria a tipografia. “A origem do trabalho que faço hoje vem dos desenhos que fazia nos anos 70, quando era um estudante de arte.”

Sua vontade de desenhar modelos se perdeu com o tempo. “Não há muita variação nos modelos e poses. E eu amava desenhar o que estava em volta deles: o estúdio, a cena, minhas mãos e pés, e o professor que se movia entre os cavaletes do pintor, como um lagarto rastejando, enquanto sussurrava frases bizarras esperando que nos inspirassem.”

As palavras entraram nos desenhos de Eerdekens. Não como uma explicação ou como um texto nas histórias em quadrinhos, mas com importância equivalente a todo o resto da composição.

“Minha intenção era usar as palavras como uma existência real, como as personagens e os objetos no espaço circundante. E este continua sendo um dos meus pontos de partida. Minhas palavras estão falando palavras.”

Na visão de Eerdekens, de alguma forma as palavras são sempre um substituto para a coisa em si, especialmente a palavra escrita. “Quando as palavras são escritas (em oposição à fala), elas são usadas na ausência (e por causa da ausência) de outra coisa. Mais tarde, quando o texto for lido, será a ausência do autor.” Sombras são também substitutos e, assim, ficou evidente que ele as incluiria em sua arte.

Eerdekens gosta de exemplificar com o mito de Dibutades, que revela a luz como origem do desenho. Dibutades traça os contornos de seu amante projetados num muro por uma lanterna. Seu pai faz da sombra barro prensado. A luz se materializa e, assim, estando seu amante prestes a viajar, ela o consegue manter durante sua ausência. A sombra é como uma memória.

A composição dos seus cenários de Eerdekens nasce exatamente como nascem suas obras, a partir do nada, quando uma simples luz em sua cabeça se acende lhe trazendo novas ideias. “Recentemente, minha inspiração veio enquanto assistia à TV. A criação vem quando você não espera.”

Tratando-se de livros, ele gosta de citar alguns: Brian Rotman, Signifying Nothing: The Semiotics of Zero ou The Book of Zero, de Barrow. Há também o trabalho de Paul Auster, bem próximo do que Eerdekens cria; e as histórias de Samuel Beckett, importante fonte de inspiração.

O universo semântico criado por Eerdekens é uma experimentação do espaço tridimensional para a construção tipográfica. O espectador passa a fazer parte desse mundo ao interagir com o objeto, dando voltas em torno dele e entendendo o sentido de suas obras.

“Eu posso dizer uma coisa que definitivamente não é uma dificuldade em meu trabalho: levantar cedo e ir ao estúdio, ler e escrever e brincar com palavras e formas. Eu realmente faço o que gosto.”

Fred Eerdekens

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